Opinião: Duna

Duna de Frank Herbert
Editora: Saída de Emergência (2010)
Formato: Capa Mole | 576 páginas
Géneros: Ficção Científica, Fantasia
Sinopse (SdE): O Duque Atreides é enviado para governar o planeta Arrakis, mais conhecido como Duna. Coberto por areia e montanhas, parece o local mais miserável do Império. Mas as aparências enganam: apenas em Arrakis se encontra a especiaria, uma droga imensamente valiosa e sem a qual o Império se desmoronará. O Duque sabe que a sua posição em Duna é invejada pelos seus inimigos, mas nem a cautela o salvará. E quando o pior acontece caberá ao seu filho, Paul Atreides, vingar-se da conspiração contra a sua família e refugiar-se no deserto para se tornar no misterioso homem de nome Muad’Dib. Mas Paul é muito mais do que o herdeiro da Casa Atreides. Ao viver no deserto entre o povo Fremen, ele tornar-se-á não apenas no líder, mas num messias, libertando o imenso poder que Duna abriga numa guerra que irá ter repercussões em todo o Império...
"Duna" (Dune no original e na primeira tradução portuguesa da autoria dos livros do Brasil) é um dos romances de ficção científica mais conhecidos (e lidos) dentro do género. Aliás, ao lermos a primeira frase da contracapa da nova edição da Saída de Emergência, ficamos com a ideia de que "Duna" é uma obra universalmente aclamada, sem críticas negativas, uma obra-prima da literatura em geral. Pois, caros leitores do Livros, Livros e mais Livros, quem adquirir este livro "Tem nas suas mãos aquele que é considerado o melhor romance de ficção científica de sempre." De sempre, reparem.

Parti pois, para a sua leitura com expectativas elevadas. Já tinha visto o filme de 1984 (uma seca descomunal, ou assim me pareceu quando o vi) e a mini-série de 2000 (aceitável), mas o facto de não ter achado nenhuma das adaptações nada de especial não diminuiu o meu entusiasmo; afinal toda a gente sabe que o livro é sempre melhor do que o filme. Certo?

Errado.

Não é que o filme ou a série sejam melhores do que o livro... é que o livro não é tão bom quanto o pintam. Sinceramente, espanta-me como é que alguém pode considerar que este livro se insere no género da ficção científica... a não ser pelo facto de se passar noutro planeta e as pessoas andarem (de vez em quando) de um lado para o outro em naves espaciais. De resto, cerca de 98% deste livro segue o esquema de qualquer livro de fantasia épica que se preze: um herói, mulheres para seduzir, um governante malvado, um povo oprimido e muitas lutas com espadas e facas.

A sério, espadas e facas... 10.000 anos no futuro, segundo a linha temporal. Terá a sociedade regredido? Não sabemos. Seria interessante saber esse pequeno facto e se sim, o porquê. Mas nada disso faz parte do livro. O autor decide antes fazer o leitor mergulhar de cabeça no seu imaginário sem nos explicar qualquer tipo de conceitos (bem, se quisermos saber algumas destas coisas, temos de ir ler os apêndices, que não são explicações breves mas verdadeiros artigos) e mais importante, sem explicar as raízes da sociedade e do seu mundo. Ou qual é a ligação daquela aos seres humanos da Terra. Ou o porquê da civilização ter regredido em termos culturais ao ponto de considerar as mulheres inferiores, de terem sistema feudal e de gostarem de lutas sangrentas com gladiadores.

Sinceramente, se me apresentassem este mundo num livro de fantasia épica não me incomodaria o facto destas questões não serem respondidas. Um mundo fantástico não tem ligações com o nosso planeta e a nossa realidade. No entanto, uma sociedade humana futurista tem, pelo que considero importante que se mostre essa conexão e se faça uma ligação entre o passado e o futuro.

No que à história diz respeito, confesso que também não lhe encontrei grande originalidade. E não apenas por seguir uma linha de acção formulaica (como referi acima), porque suponho que na altura em que foi escrito, esta linha de acção (herói com poderes místicos, etc, etc) não tinha ainda sido tão utilizada como actualmente. Mesmo assim, não pude deixar de reparar que toda a cultura civilizacional e religiosa dos vários povos mencionados se parece muito com as da Terra. Os fremen são uma imitação tirada a papel químico das tribos do deserto; Senão vejamos: vivem no deserto logo para eles, a água é preciosa. Usam mantos e turbantes. Até têm uns olhos "especiais", descritos como sendo "azuis sobre azul"! Para quem não sabe, algumas tribos do deserto usam túnicas com uma tinta que deixa a pele azul (sabem onde aprendi isto? Nos livros de "Uma Aventura"). Têm conhecimento e controlo de uma substância poderosa -a especiaria - que é cobiçada pelos Grandes Casas (países Ocidentais) e que é essencial para fazer funcionar os transportes. Até a linguagem dos fremen tem parecenças com o Árabe!
Por outro lado, os costumes civilizacionais das Grandes Casas vêm tanto da cultura feudal europeia da Idade Média como da cultura asiática - os persas e os chineses (as concubinas, o Imperador, etc). Ou seja, a maioria dos costumes das personagens mostram uma completa falta de originalidade. Não me teria incomodado tanto, e até teria considerado estes povos criações originais se o autor tivesse utilizado as civilizações referidas como base; mas não, ele praticamente transpôs uma cultura inteira para outro cenário, deu-lhe um nome novo e acrescentou uns rituais novos aqui e ali. Mas enfim.

Para além da tal "falta de originalidade" na caracterização do seu mundo, Duna sofre também pelo facto do autor ter decidido arrastar imensamente alguns dos acontecimentos (por exemplo, a estadia de Jessica e Paul no deserto antes de serem encontrados pelos fremem é descrita de forma minuciosa e completamente desnecessária) - o que torna certas partes do livro morosas de ler - enquanto outros (por exemplo, a adaptação de Paul e Jessica à vida no deserto e o crescimento de Paul - algo que eu, como leitora estava interessada em saber) passam num instante e são deixados na obscuridade.
Não se enganem, este livro não é grande porque tem uma história complexa e intrincada ou desenvolvimento excepcional de personagens; é grande porque alguns momentos são esticados ao máximo... uma simples conversa entre duas personagens (e nem sequer uma conversa particularmente vital) pode 'demorar' quase vinte páginas. Aliás, a história em si poderia ter sido contada numas 300 páginas, se cortássemos todas estas interacções. Nem a tão elogiada trama política é assim tão complexa e interessante. A intriga política da série "Crónicas do Gelo e do Fogo" põe a de "Duna" a um canto... nem sequer é uma competição. Numa nota positiva, devo confessar que o autor teve um flash de génio ao criar as Bene Gesserit. Gostei bastante de ler sobre esta ordem religiosa e os seus objectivos. Afiguraram-se como um dos únicos elementos verdadeiramente originais da história; consequentemente, Jessica é a personagem mais bem desenvolvida e com mais personalidade, pelo que ela é que devia ser a heroína de Duna, na minha humilde opinião (lol). A única outra personagem que me pareceu minimamente interessante e multi-dimensional foi Kynes (Liet-Kynes) e todos sabemos onde isso foi dar.

Bem, depois deste desabafo (é mais isso do que outra coisa), devo dizer que, no geral até gostei do livro, apesar das suas muitas falhas. É uma obra de fácil leitura (quase sempre), com uma história relativamente interessante se não se entrar na leitura com expectativas muito altas. E que me desculpem todos os fans da saga mas acho que é um exagero de todo o tamanho que se considere "Duna" o melhor romance de ficção científica de todos os tempos. Não nego, no entanto, o seu importante contributo para o género.

Comentários

WhiteLady3 disse…
Aqui está um livro que esperava que gostasses. :P Mas por falares em religiões, já leste Os Leões de Al-Rassan do Guy Gavriel Kay? As semelhanças são mais que muitas com a Reconquista cristã e o período das taifas muçulmanas, mas achei muito bom o livro. :)
slayra disse…
Oh eu gostei... mas não achei que fosse a obra prima da literatura sci-fi que muita gente acha que é. E depois, esperava uma trama política mais intensa, mas é bastante simples... mas mais não digo, para não spoilar.

Os Leões de Al-Rassam são admitidamente uma versão alternativa do Al-Andaluz, por isso aí eu espero que as parecenças sejam mais que muitas... mas a Duna não me convenceu. No entanto isso não invalida que seja um bom livro e tal, mas não é "my cup of tea". São gostos. :D