Opinião: O Dardo de Kushiel e A Marca de Kushiel (Jacqueline Carey)

Editora: Saída de Emergência (2010)
Formato: Capa mole | 804 páginas (2 livros)
Géneros: Fantasia
Descrição (livro 1 - GR): "TERRE D’ANGE é um lugar de beleza sem igual. Diz-se que os anjos deram com a terra e a acharam boa… e que a raça resultante do amor entre anjos e humanos se rege por uma simples regra: ama à tua vontade. Phèdre é uma jovem nascida com uma marca escarlate no olho esquerdo. Vendida para a servidão em criança, é comprada por Delaunay, um fidalgo com uma missão muito especial… Foi, também ele, o primeiro a reconhece-la como a eleita de Kushiel, para toda a vida experimentar a dor e o prazer como uma coisa só. Phèdre é adestrada nas artes palacianas e de alcova, mas, acima de tudo, na habilidade de observar, recordar e analisar. Espia talentosa e cortesã irresistível, Phèdre tropeça numa trama que ameaça os próprios alicerces da sua pátria. A traição põe-na no caminho; o amor e a honra instigam-na a ir mais longe. Mas a crueldade do destino vai levá-la ao limite do desespero… e para além dele. Amiga odiosa, inimiga amorosa, assassina bem-amada; todas elas podem usar a mesma máscara reluzente neste mundo, e Phèdre apenas terá uma oportunidade de salvar tudo o que lhe é mais querido." 
ATENÇÃO: Contém alguns SPOILERS.
(A edição lida estava no inglês original, mas apresentam-se os dados das portuguesas).

Algumas das minhas opiniões começam por enumerar as razões pelas quais dou uma ou outra classificação a um livro. No fundo, gosto de reiterar que as opiniões que emito são subjectivas e se referem meramente ao usufruto que tirei da leitura.

Estes livros de Jacqueline Carey foram óptimas leituras por terem personagens interessantes, uma construção do mundo intrigante e uma história intrincada.

Foram leituras envolventes que me mantiveram interessada ao longo das largas centenas de páginas. Estes dois volumes, que compõem o primeiro livro da trilogia Phèdre são verdadeiramente cativantes.

Mas mesmo tendo gostado imenso destas obras, não posso deixar de destacar alguns pontos que achei que podiam ter sido melhores (que livro não os tem, certo?) ou mais bem esclarecidos.

"O Dardo de Kushiel" e "A Marca de Kushiel" introduzem-nos ao mundo de Terre D'Ange um país habitado por um povo que se diz descendente de deuses.
Cedo percebemos que esta terra e os países vizinhos nos são familiares; Carey utiliza a Europa feudal (dos inícios?) da Idade Média como base para criar o seu mundo, misturando também algumas influências culturais orientais (nomeadamente o conceito dos cortesãos como os da Corte da Noite, que eram ensinados desde cedo a servir e eram cultos, versados em música... quase como as gueixas japonesas). Apesar de utilizar marcos conhecidos, a autora cria toda uma mitologia para Terre D'Ange (a mitologia das terras circundantes é quase idêntica à que os povos europeus possuíam na Antiguidade) que mistura o Cristianismo com um culto politeísta.

Este foi o primeiro aspecto que me fez confusão: Ellua, o "rei" do Panteão de Terre D'Ange é quase como que um descendente de Deus que decidiu fazer daquele território a sua casa. Sinceramente, o que me causou espanto foi toda a história de Ellua e o facto de, apesar dessa história, ele ser venerado.
Pois Ellua decidiu passar a vida a cirandar de um lado para o outro, a ver as vistas. Vários Anjos juntaram-se a ele e um deles, a Namaah prostituiu-se para arranjar dinheiro ao Ellua para que ele não passasse fome. E... erm... porque é que esta pessoa é venerada, mesmo? Porque passou a vida sem fazer nada? Porque quando lhe disseram para ir para casa ele pegou numa faca e fez um corte na mão e disse "não vou e não vou e pronto"?

Estão, portanto, a ver o meu problema. Creio que a história mitológica tenta explicar o sexo (especialmente quando ligado à servidão feudal) e todo o sistema de servidão da Corte da Noite que mais não é do que uma rede de bordéis. Sinceramente, achei a mitologia ridícula e não apenas por causa de Ellua.

A autora dá a entender que neste Panteão, todos os companheiros originais de Ellua são venerados e que possivelmente cada um tem características especiais pelas quais se distingue, mas não nos diz especificamente que características são essas. Nem Kushiel, que como podem calcular, tem um "papel" importante na série nos é explicado como deve de ser. Ele castiga os pecadores e depois os pecadores, numa reviravolta que parece Síndrome de Estocolmo, passam a amá-lo pelas torturas que lhes inflige? Sinceramente? Não percebi. Não percebi absolutamente nada, a não ser que Kushiel é uma desculpa esfarrapada para que a Phèdre goste de sado-maso. :P

Basicamente, a parte da mitologia neste livro foi uma tentativa muito óbvia (e algo preguiçosa) de explicar toda a sociedade de Terre D'Ange, como se nada houvesse nela que pudesse ser explicado de forma não religiosa.

Para mim foi a parte mais fraca do livro, apesar do preceito desta religião ser bastante positivo, no geral: "ama à tua vontade". É devido a este preceito que as pessoas em Terre D'Ange têm uma mentalidade tão desenvolvida para a "época" em certos aspectos. Por isso, apesar de tudo, a mitologia mal explicada não me impediu de devorar o livro. Apenas me irritou ligeiramente que, primeiro, o "herói" mitológico daquela gente fosse um indivíduo que nada fez para se destacar excepto andar por aí; e segundo porque nunca é muito clara a função de cada deus; sabemos que eles as têm, porque têm templos e tudo o mais, mas não se sabe bem como influenciam os habitantes de Terre D'Ange.

Passemos, no entanto, às partes mais agradáveis que, como disse em cima, me fizeram devorar um livro de 900 páginas (no original) em pouco mais de uma semana.

A história. O enredo é interessante. As primeiras páginas narram a infância e adolescência de Phèdre, que é vendida a uma das Casas da Corte da Noite aos dez anos. Ao início confesso que achei a descrição algo aborrecida, mas assim que me embrenhei na história não consegui deixar de querer saber mais e mais. Os segredos e a intriga da vida de Delauney, o mestre de Phèdre mantêm o leitor colado às páginas.

A história tem de tudo um pouco, desde um mistério a romance, passando por cenas de acção, tudo escrito de forma apelativa e envolvente.

As personagens. Phèdre, Joscelin, Hyacinthe e o resto do "cast" de personagens que compõem este livro são deliciosas. Todas são carismáticas e assim como a autora não poupa páginas no desenvolvimento do enredo, também não o faz no desenvolvimento das personagens. Phèdre passa por determinadas situações que a fazem mudar e o crescimento dela enquanto protagonista é plausível. Devo dizer que o romance não está particularmente bem desenvolvido nestes primeiros volumes, mas sendo uma série, isto não é particularmente grave.

O mundo. Como já referi antes, o mundo de Carey é genial. Suficientemente familiar para que os leitores não se sintam completamente perdidos, mas com elementos exóticos suficientes para que sintamos a magia que é tão própria da fantasia.

No geral: um começo fantástico para esta trilogia. É um livro (ou dois, se lerem em português) que se lê bem, com personagens cativantes sobre as quais queremos saber mais, um mundo misterioso, e bem definido, que apela à imaginação e um enredo com todos os ingredientes para nos manter agarrados. Recomendado.

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