Opinião: Uma Noite para se Render (Tessa Dare)

Uma Noite para se Render de Tessa Dare
Editora: Topseller (2016)
Formato: Capa mole | 320 páginas
Géneros: Romance histórico
Sinopse.

(Nota: a edição lida foi a inglesa, mas apresentam-se os dados da portuguesa)

Uma Noite para se Render, o primeiro livro da série Spindle Cove, de Tessa Dare, foi já uma leitura do ano passado. Na verdade, comprei a versão original deste livro porque a autora, apesar de nunca ter sido uma das minhas favoritas, é bem cotada entre os leitores de romance histórico e parece ter ideias originais para os seus livros.

Infelizmente, não fiquei grandemente impressionada com esta leitura (assim como já não tinha ficado impressionada com a anterior).

Penso que parte do problema se deve ao facto de eu já ter lido muitos livros dentro deste género; como tal, tenho menos tolerância para os estereotipos que povoam este tipo de obras. E um livro, como este, que acumula tantos clichés é particularmente irritante. Ora, vejamos, temos:

 - Um heroi alto, belo e forte que é torturado pelo facto de não poder voltar para a guerra (pois sofreu um ferimento que impede essa possibilidade) para fazer coisas "másculas" como dar ordens ao seu pelotão, lutar e gritar de forma viril (a la Braveheart ou algo do género);

- Uma heroina que é supostamente "independente" (notem as aspas), especialista nas artes de curar e Muito Competente (tm)... ou seja, uma Mary Sue. Ela ainda é solteira apenas porque é, imagine-se, demasiado alta (e bela, claro) para os padrões do século XIX... afinal, o que se quer por estas alturas são mulheres sem graça e inteligência (e, aparentemente, baixas). A nossa heroina é também torturada, porque, woe, para além de ser uma solteirona tem também problemas com o pai;

- Paixão desmesurada à primeira vista (um olhar e pimba... quero mesmo ir para a cama com ele/ela, ai nunca me senti assim) que serve de base para a história de amor;

- A nossa heroina que supostamente é independente e inteligente, quer secretamente ser dominada por um homem (e não apenas na cama, em todos os aspetos da vida... se fosse só na cama, não me faria tanta impressão);

- O nosso heroi é muito macho e tem muito pensamentos/fantasias de dominância, quer resolver tudo com lutas e é daqueles que gosta da carne mal passada (agora repitam comigo: Arrrr! e imaginem um homem com uma espada na boca);

- A opinião geral de que solteironas inteligentes e criativas precisam mesmo é de um homem machão que as domine (yuck, much?);

- Zero porcento de química entre os protagonistas;

- O enredo (o pouco que há... este livro é maioritariamente composto por uma quase interminável cena de sexo, interrompida por alguns acontecimentos pelo meio) e a narrativa seguem padrões tão previsíveis que a leitura me aborreceu em diversos momentos;

Acho que é bastante óbvio que não gostei assim muito deste livro. Já não é o primeiro da autora que leio e, apesar dos primeiros livros dela (os mais antigos) até terem a sua graça, os últimos têm pendido para a categoria de "tempo perdido". O foco na lúxuria instantânea dos protagonistas é sinceramente aborrecido e, apesar de a escrita ser competente, penso que as personagens e o mundo parecem demasiado "modernos" por vezes, o que estraga também a leitura. Tenho sempre a sensação de que a autora está a tentar fazer algo (ou dizer algo) com as suas heroinas, mas nunca lá chega porque quem vence sempre (ou os valores que vencem sempre) são os dos seus "homens medievais".

Penso que continuarei a ler livros desta autora no futuro (quanto mais não seja porque já comprei mais livros dela, antes de ler este malfadado livro), mas não espero muito.

No geral, não é das autoras que mais recomendaria para quem quer algo diferente dentro dos romances históricos. E, sim, é possível escrever um livro focado no romance e mesmo assim abordar temas interessantes ou relevantes. Veja-se o caso de A Loucura de Lorde Ian MacKenzie, editado em Portugal pela Topseller: é um romance histórico, mas foca-se num tema pouco explorado neste género, a Síndrome de Asperger. E mesmo que os livros sejam puramente romances históricos, sem temas mais sérios, podem ser bons, explorar melhor as personagens, criar uma química mais verosímil e um romance mais realista. Como os romances de Sherry Thomas, por exemplo. 

Se querem uma leitura leve e familiar (cheia de clichés), apostem neste livro. Se, como eu, já são leitores calejados neste género e querem algo diferente, não o recomendo. Mas, como digo, uma opinião vale o que vale. O melhor mesmo é experimentarem. :) 

*Esta opinião foi adaptada da minha crítica original em inglês, publicada no Goodreads em 2015.


Outras opiniões sobre livros da autora no blogue:

Opinião: série Kitty Norville (Carrie Vaughn)

Editora: Grand Central Publishing + Tor
Formato: Bolso + E-book
Géneros: Fantasia Urbana

Já há muito, muito tempo que o blogue não está ativo. Como escrevi em outubro do ano passado, a vontade de me dedicar ao blogue não voltava, parecia quase um sacrifício escrever. Por isso ficou encerrado por termo indefinido.

E, bem, não posso dizer que esteja novamente cheia de vontade de me dedicar a isto como no passado, mas decidi experimentar, para ver o que sai, até porque escrever opiniões, estranhamente, ajuda a acalmar a irritação causada pelo dia a dia (go figure).

A série sobre a qual vou opinar hoje é de um dos meus géneros favoritos (a fantasia urbana) e está terminada, com 14 livros. Foi uma das primeiras séries do género que li, mas parei a leitura porque na altura só tinham saído 4 livros (estão a ver ao tempo que isto foi). Este ano decidi reler os quatro primeiros e ler o resto. Até agora, li 10 livros e já tenho mais ou menos uma ideia do que vai acontecer.

Kitty Norville foi mordida por um lobisomem depois de uma noite traumática e é acolhida pela alcateia de Denver, na qual assume a posição de submissa, uma loba fraca e abaixo de todos as outros. Como tal, tem de ser protegida pelo alfa, Carl, mesmo que isso implica que ele pode ter sexo com ela quando quer e que pode mesmo dar-lhe umas bofetadas.

O único amigo de Kitty (sim, uma lobisomem? Lobimulher? chamada "Kitty", eu sei) é T.J. um lobisomem mais forte do que ela, mas que a trata como mais do que uma cria de lobo a proteger.

7662235Quando Kitty começa inadevertidamente um programa de rádio noturno para onde outros seres sobrenaturais podem ligar, não só despoleta acontecimentos que vão mudar a realidade em todo o mundo como também mudanças nela própria: torna-se mais confiante, mais assertiva. Mas conseguirá Kitty sair da relação abusiva que tem com Carl, o alfa da alcateia?

Esta série é interessante porque todo o mundo evolui. Passo a explicar: na maioria das séries de fantasia urbana, o sobrenatural é algo reconhecido e estabelecido ou então é algo escondido. Esta é a primeira série que leio onde o sobrenatural passa de algo mitológico para algo bem real. Vemos então como as coisas mudam e os humanos se adaptam, o que é super interessante, de um ponto de vista "what if".

13513643Esta série é também interessante porque Kitty, a protagonista, evolui muito significativamente. Não no sentido de ganhar poderes que a tornam superior, mas de uma maneira mais realista, pois cresce como ser humano, o que afeta a sua "submissividade" perante o resto da sua alcateia. E uma coisa que me surpreendeu imenso pela positiva: Kitty nunca se torna super poderosa, apesar de ascender a uma posição de poder. Ela nunca se torna uma "mary sue" super especial com uma herança escondida e poderes diferentes dos do resto dos lobisomens. Não, Kitty não é a mais forte fisicamente, mas é a mais "apta a liderar" pelo que ascende à sua posição de poder e ganha o respeito de outras criaturas sobrenaturais.

Relativamente à história e à mitologia, as mesmas são generalistas. Não são particularmente originais: a história de cada livro é um pequeno mistério paranormal, não muito elaborado; e a mitologia não difere muito da da maioria dos livros de fantasia urbana do mercado: os vampiros são sedutores e hipnóticos, os lobisomens têm regeneração instantânea, as fadas são misteriosas e traiiçoeiras, etc. Nenhuma das "espécies" está grandemente desenvolvida.

No geral, uma série que vale, principalmente pela originalidade do conceito e pelo desenvolvimento das personagens.