Opinião: Um Pequeno Favor (Darcey Bell)

Editora: Bertrand (2017)
Formato: Capa mole | 304 páginas
Géneros: Mistério/Thriller
Sinopse.

O que dizer sobre este livro? É complicado porque é um daqueles livros sobre o qual há, ao mesmo tempo, muito e pouco a dizer.

Pouco porque tem muito pouca substância e muito porque... tem tão pouca substância que só apetece é começar um monólogo inflamado sobre o tempo e dinheiro perdidos.

Mas vou tentar um meio termo e começar com a já habitual sinopse/resumo da minha lavra... e... não me lembro.

Pois. Não me lembro do nome das personagens ou daquilo que aconteceu. Só me lembro que a história foi particularmente má e... eh...

Ahem. A personagem principal, de cujo nome não me recordo, é uma viúva com um filho que consegue subsistir apenas com a pensão pelo que é aquilo que os americanos chamam "stay at home mom" e que, para nós, portugueses é essa ave rara intitulada "mãe a tempo inteiro" (porque quem é que consegue ter um filho e não trabalhar para o sustentar aqui, não sei). Pode até dizer-se que esta senhora leva a maternidade muito a sério, porque vive tanto para isto que até tem um "blogue para mães" onde todos os dias discorre sobre os desafios de ser mãe.

Não me entendam mal; nada tenho contra este estilo de vida. É só que a personagem em si é extremamente irritante, começando todas as publicações do blogue com um alegre "Olá, mães!" e escrevendo as coisas mais aborrecidas. E como as publicações do blogue compõem cerca de 15% (assim inventado, como todas as estatísticas, mas percebem a ideia) do texto, bem... imaginem a minha irritação no final.

Então, temos a mãe a tempo inteiro com o blogue. E temos a vizinha (cujo nome também não sei) que tem um filho da mesma idade e que, voilá, se torna por isso a melhor amiga da protagonista. Quando a vizinha não aparece para levar o seu filho (que a protagonista tinha ido buscar à escola a pedido da amiga), a protagonista fica preocupada e começa a escrever no blogue.

À medida que o tempo passa, a protagonista lamenta-se pela sua amiga desaparecida, toma conta dos miúdos (o seu e o da vizinha) e seduz o marido choroso.

Ok. Espero que tenham percebido mais ou menos do que trata o livro. Há uma pessoa que desaparece mas As Coisas Não São o Que Parecem (marca registada).

Os SPOILERS COMEÇAM AQUI!

Comparam isto ao livro "Em Parte Incerta", mas sinceramente considero a comparação um bocado insultuosa para o livro de Flynn, uma vez que "Um Pequeno Favor" é uma obra tão amadora e terrivelmente má que mesmo não tendo gostado do bestseller "Em Parte Incerta" por aí além, o considero 100 vezes melhor do que este desastre.

Primeiro, as personagens de Flynn têm realmente algum génio na sua construção e são realmente inteligentes. A protagonista e a respetiva antagonista são só parvas. E a protagonista é tão burra, mas tão burra que não é necessário ser realmente muito inteligente para a enganar e a levar a fazer o que se quer que ela faça... o que é bastante notório pelo facto de ela ser enganada até ao fim, apesar das pistas gritantes de que está a ser enganada.

Ou seja, a protagonista não tem cérebro. Suponho que a intenção da autora era compor uma história sobre o poder da amizade ou da solidão. Mas o comportamento da protagonista não grita "sei que é errado, mas vou fazer isto por esta amizade/porque não quero abrir mão da convivência com esta pessoa". Não, a protagonista acredita piamente no que lhe dizem apesar das evidências em contrário.

Todas as outras personagens sofrem de falta de caracterização (bem, a protagonista também, mas pelo menos ficou bem marcado na minha cabeça que ela era... burra como uma porta) e mostram também falta de discernimento. A trama é simples, tão simples que é quase insultuoso para o leitor... a autora vai adicionando coisas ao enredo para forçar a narrativa e esta nunca parece "natural".

No geral, um livro bastante fraco. Personagens mal escritas e idiotas, um enredo sem sentido e simplista e algumas passagens escritas num tom infantil e irritante (as entradas no blogue). Não recomendo isto a ninguém, na verdade. Não consigo perceber porque foi publicado sequer.

Detalhes da versão original:
Título: A Simple Favor
Ano: 2017

Opinião: O Leitor do Comboio (Jean-Paul Didierlaurent)

O Leitor do Comboio de Jean-Paul Didierlaurent
Editora: Clube do Autor (2017)
Formato: Capa mole | 196 páginas
Géneros: Lit. Contemporânea
Sinopse.

AVISO: ALGUNS SPOILERS

Um pequeno livro, que se lê de uma assentada, O Leitor do Comboio retrata a vida rotineira de Guylain Vignolles, um jovem de 36 anos, solteiro, dono de um peixinho dourado.

Guylain é uma pessoa vulgar num mundo de pessoas vulgares; todos os dias apanha o comboio para o trabalho, tem de aturar um chefe mandão e prepotente, um colega ao mesmo tempo ambicioso e mediocre e uma tarefa que detesta: destruir livros.

A única altura do dia em que Guylain Vignolles é alguém diferente e mágico é durante a viagem do comboio, onde lê páginas soltas que arranca das entranhas da "Coisa", a máquina que transforma livros em pasta de papel reciclável. Estas "peles vivas", como lhe chama, são o que resta dos livros enfornados e destruídos e fazem as delícias dos seus companheiros de viagem. Também poderão ser aquilo que mudará a vida de Guylain para sempre.

Não é muito comum para mim ler livros sobre pessoas "reais" com vidas reais. Leia-se: pessoas com vidas vulgares, monótonas e repetitivas; no fundo parecidas com a minha. O meu objetivo ao ler livros é viajar na companhia de seres invulgares, mesmo que comecem como eu, normais e com vidas normais pois é sabido que na maioria dos livros, eles depressa descobrem a existência de um mundo bem mais interessante.

Mas este livro, "O Leitor do Comboio", foge a essa regra. Guylain Vignolles é o mais normal possível: vive num pequeno apartamento, tem um trabalho monótono e previsível, é tímido e apagado; em suma é o que tanta gente é. O que nos permite, de certo modo, identificarmo-nos com a personagem. O que gostei.

O que me desapontou aqui não foi a natureza da história (algo que eu sinceramente temia que acontecesse), mas sim o facto de ela nunca ter chegado a "levantar voo", por assim dizer.

Vignolles é arrancado da sua vida sempre igual por dois acontecimentos: o convite de duas senhoras idosas para que vá à sua casa de repouso ler todos os sábados de manhã e a descoberta de uma pen drive repleta de textos escritos por uma jovem chamada Julie.

Apesar de acompanharmos Guylain a duas leituras na casa de repouso e de o ouvirmos a ler no comboio excertos do diário de Julie, nunca vemos grandes alterações na sua vida diária. A procura por Julie acontece em segundo plano e apenas devido à pesquisa de um dos amigos de Guylain; e este nunca colhe frutos da sua nova atividade no lar.

Assim, o livro acaba como começou... sim, o autor diz-nos que os esforços da nossa personagem podem ser recompensados, mas nunca vemos essas recompensas, essas mudanças.

No geral, este livro entreteu-me, mas soube-me a pouco, parece inacabado. Acho que é um dos poucos livros que já li até hoje que tem conteúdo a menos em vez de a mais e que beneficiaria de mais páginas e desenvolvimento.

Detalhes da versão original:
Título: Le liseur du 6h27
Ano: 2014

Opinião: Confissões (Kanae Minato)


Editora: Suma das Letras (2016) 
Formato: Capa mole | 216 páginas 
Géneros: Thriller

Confissões de Kanae Minato não é propriamente um livro de mistério, uma vez que não existe nada para desvendar. Existe um crime (ou vários, na verdade), mas os culpados são imediatamente aparentes.

Tudo começa quando Manami, uma rapariga de 4 anos, aparece morta na piscina de uma escola preparatória. Manami é filha de uma das professoras da escola e, um dia antes de se retirar, a professora discursa em frente da sua turma e revela que sabe que Manami foi assassinada e por quem. Diz também que, uma vez que segundo o sistema de justiça japonês os assassinos não podem ser "propriamente" julgados pelos seus crimes, que ela decidiu vingar-se dos culpados.

A forma como o faz vai despoletar uma série de acontecimentos na pequena comunidade. Desde os alunos culpados aos pais, colegas e outros que tais, este livro mostra o lado mais negro da alma humana e como as nossas experiências nos definem de forma infelizmente, muito decisiva.

Intenso, perturbador, um thriller na verdadeira acepção da palavra. "Confissões" conta a história de um crime hediondo, perpetrado por razões hediondas e de como o ódio, o ressentimento e a vingança geram mais ódio, ressentimento e vingança, criando um círculo inquebrável que vai destruir vidas numa pequena cidade rural japonesa.

Contado a várias vozes, permite-nos entrever motivos diversos, de diversas personagens, alguns mais repugnantes do que outros, mas todos estranha e assustadoramente humanos.

No geral, um livro bastante assustador por parecer tão real. As personagens não são estereótipos como tantas hoje em dia. São muito humanas, tão maliciosas sem serem efetivamente más.

Recomendo.

Detalhes da versão original:
Título: 告白 [Kokuhaku]
Ano: 2008